quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Quando eu passei no vestibular.

Foi há sessenta e oito anos, no auge dos meus dezessete e das alegrias de um menino saudável, alegre. Recordo que os dias que antecederam meu momento de glória passaram-se arrastados, tão demorados quanto o meu trajeto, hoje, daqui até a cozinha. Meu sono era perseguido por meus pensamentos ansiosos e intrigados, num segundo a certeza, no outro o pessimismo, mas agora, o dia havia chego, e eu tremia quase que feito um idoso rendido ao Parkinson. 
Não me lembro exato da hora em que saí de casa e do trajeto de carro até a universidade, mas lembro o quão ansioso fiquei quando saltamos do carro. Quase ninguém estava por lá e cheguei até a pensar em estar enganado, sobre o dia, a hora ou até mesmo o local da reveleção dos classificados: como que poderia ser em outro lugar?! Uns cinco minutos de caminhada até o local exato me fez aliviar por não estar errado, mas logo depois o alívio transformou-se em suor. 
Estava ali, na frente do ginásio onde seriam divulgados os nomes. As portas fechadas, mas os nomes já dispostos pelas paredes de tijolos a vista. Lembro de levar a mão ao peito e senti-lo esmagado pelo meu próprio coração, que pulava e se contorcia como se tivesse mais nervoso que eu: impossível. Quando senti aquilo, uma vontade intrínseca de chorar me veio, e por um instante eu chorei mesmo que sem lágrimas - meu rosto já estava salgado demais. Minha prima, que fez questão de vir ver o resultado conoso - eu e minha mãe - , me abraçou e a vontade passou meio que por vergonha. 
Podia ver que aqueles que estavam quase que de cara com os portões do ginásio, conseguiam por instantes entreabrir a porta de madeira, que visivelmente era segura apenas por um pedaço de madeira que a deixava trancada - lembro que toda vez que faziam isso eu esboçava uma corrida. Assim, depois de algumas tentativas, alguém, de camisa verde, botou o braço por dentro e levantou o pedaço de madeira. Os portões se abriram. "Pode entrar, galera!", decretou o arrombador. 
Ao ver a pequena multidão de umas cinquenta pessoas correndo, só me restou correr junto. O trajeto era pequeno, de uns 20 metros, e para um jovem de dezessete anos fiz aquilo em torno de 20 segundos. No caminho olhei para as paredes de tijolos a vista e pude ver aonde estava disposto o meu curso. À esquerda, mais ou menos no meio do ginásio. Raciocinar e correr não era muito complicado, por isso não titubeei e lá estava na frente dos dois papéis - um para cada fase. Comecei pela primeira, mesmo achando que fosse mais improvável e por um lapso fui direto ao meu nome, como se todos os outros fossem dialetos do sul da indonésia, e foi só ele que, naquele instante, pude ler. Alegria, alegria.
Olhei para trás, levantei os braços, berrei e corri direto ao abraço de minha mãe. Chorávamos e nos agradecíamos num momento de transe. Um choro soluçado, de criança, de alegria, alívio e emoção. Passei, acabou! Corri para o lado de fora e abracei com a mesma força meu amigo e minha namorada. Ovos, farinha, tesoura, meus cachinhos todos no chão. Eu deixei, óbvio, podiam, agora, me fazer de gato e sapato que eu não estava nem aí. Eu havia passado e, embora meu ano não tivesse sido inteiramente dedicado aos estudos, grande parte deveu-se sim a eles, às pressões, às expectativas e a tudo que aquilo envolvia. Estava satisfeito comigo mesmo e sabia que, a partir de agora, outros momentos de glória me esperavam, mas primeiro eu precisava festejar e muito esse que se passou.

sábado, 3 de janeiro de 2009

O coração do homem-bomba

Dez minutos de vida. O pouco que sobrou de seu coração pulsa freneticamente como dois martelos em ação, um em cada lado da cabeça. Fecha os olhos e tenta, pela última vez, se convencer de que a sua vida tem uma razão: aquele momento. Mas, também pela última vez, lembra de outra vida que podia ter tido, mas é outra, não essa, já foi, tarde demais, embora teria sido bom de outro jeito. Um gramado verde e extenso, quase infinito, um chalé de madeira e um jardim florido, muito florido - era ficcionado por flores, embora não pusesse isso à vista devido à vergonha -, quatro crianças, produtos seus, correndo e divertindo-se com um, dois ou quem sabe três cachorros. Teria sido legal, diferente, fantástico. Suspira.
Mas, o coração do homem-bomba não bate sempre por sentir vontade, e sim pra sentir saudade. Saudade da vida, de bater, martelar, viver. É um coração disciplinado e racional, racista, inconsequente** e burro, fútil, mesquinho, treinado. Sim, treinado, pois haja treino pra fazer um coração desamar, dessentir, "desviver". É vida de gado, boi marcado, e um  sentido fascinante: nada.
Volta a abrir os olhos, vê todos aqueles civis e pensa quantos daqueles deixarão de ser e existir por causa dele mesmo. Imagina aquela senhora caída com as pernas mutiladas, a outra criança dilaçerada e o olhos daquele cego que atravessa as ruas, fechados para sempre. Mas sim, está decidido, terá de ir enfrente. Não desistiria agora. Ou não!? Fugir?! Como?! Olha e pensa nos comparsas, também decididos, lembra de uma floresta que tem a poucos metros, correria até lá e se esconderia até o anoitecer e, após isso, fugiria para outro país para recomeçar. Parecia uma boa saída.
Os comparsas o chamam, ele olha para os lados, começa a correr muito, como nunca, em rumo à floresta mas lá no fundo pensando no seu jardim. Os comparsas correm também, indignados com a atitude do miserável traidor barato e infeliz, mas, lá no fundo, agradecendo por ter uma desculpa para o plano ter dado errado, quem sabe assim sobreviveriam! Correm uns duzentos metros, a floresta não chega, nosso protagonista volta à civilização para tentar se camuflar no meio da multidão e quem sabe escapar. O plano falha e os comparsas estão a poucos metros dele. Um deles estica o braço, agarra o colarinho da camisa já suada do traidor, este vira para trás para tentar se soltar, esbarra naquela senhora - aquela, dos pés mutilados, lembra? - e cai...  bum.




**tremas não existem mais, não é culpa minha!