domingo, 27 de novembro de 2011

Bisturi


De tanto que engrandeço as pessoas,
Insistem em provar com desespero:
“Sabes que não somos isso tanto!...”

E eis que tudo enfim cai no balanço
Dos antigos coqueiros naquela praia,
Cantando a inconstância da natureza,
Cantando a inconstância da vida humana.

Açoriano tecer o endeusar,
Soluço orgástico o desendeusar.
Pois sim,
Desfiamento repentino o instante bisturístico
(a arte do cortar do bisturi
                                        - palavra porque instrumento).

Todos no mesmo andar,
Todos da mesma altura,
Todos o mesmo olhar
                               t.v.

A mesma decepção de sempre:
São todos
            a mesma merda
                                     que eu.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

conversa de banheiro

1 ai, esses olhinhos...
2 meus olhos nunca mentem
1 teus olhos nunca mentem,
1 são olhos de poeta.

2 ahaha essa é boa
2 "meus olhos nunca mentem, são olhos de poeta."
1 é, boa mesmo...!

- disse esse meu amigo
querido pela negra pele
que o aço de sol crivo
e os olhos verde-vivo
interceptam-me!

o gosto pelas palavras nos comove a veia
o sangue de células pares nos sobe os olhos
enquanto a ceia nos vem à mesa
com temperos brasuca-arábicos

e o vinho, quando a cerveja, quando o uísque, quando a fanta, quando a água...

terça-feira, 22 de novembro de 2011

madrugada

recapitulo um capítulo catapultado e esquecido
a memória segue atenta às suas funções:
esquecer o rosto bonito e lembrar dos dentes mal-distribuídos
- decepcionante porque eras tão linda

a odontologia toda em questão
como um simples estado de espírito
elas mesmas estragam a poesia
elas mesmas estragam seus dentes, minha ilusão.

no cenário tão improvável que perfeito, há pedestais,
chão quadriculado e arquibancadas eruditas onde um rei enfim impera,
gentes que se rolam pelo chão e são mandadas parar e param,
música ruim que bate incessante um ritmo mentiroso e cristais,
cristais de visões alucinantes e sedentas de intenções-intensidades:
a jovialidade nos jovens como a birra no bebê.

a luz azul não lembra o circo mas não precisa lembrar.
a tragédia já foi escrita, redigida e editada a mãos trêmulas, histéricas,
que guardaram um final patético disfarçado de bem-querer
aos ingênuos atores que se encontram para a desilusão

tu sim eu não

arrevoados vão
um para a cama
outro para a lama das calçadas disfarçadas de sujeira
que nada
há vida na calçada pois há conversa primeira
sobre esses que vêm e que vão e que podem vir e ir que bulhufas que são
impõem seus absurdos naturais e cegos e suas ondas de barulho
falam e berram e falam e sentam e saem e logram a cada minuto a hora sublime, o encontro perfeito,
e vão para outro lugar onde será maravilhoso estar, todos juntos, união-alegria-uhul!
azul azul azul é o circo da ilusão

caminho então por ruas anônimas
lamentando a desimportância das pessoas
sonhando com encontros verdadeiros
enquanto paralelamente vejo
como é linda a amizade, o parceiro,
que partilha a vontade e o desejo,
e caminha ao meu lado por distâncias
infindáveis na memória sem tempo

domingo, 13 de novembro de 2011

a beleza
está na graça,
          no olho risonho,
              na bochecha marcada,
                   no cabelo.

morena,
sua graça me encanta,
me espanta esse riso tão amigo,
                                         bonito,
                                              bobão.

sábado, 12 de novembro de 2011

pelado

o silêncio se foi.
as vozes surgiram da terra,
                                por acaso,
algo marcado de dúvida e abalo
                                                 que,
                            inevitavelmente,
         bum:
                explode.

são os tempos novos,
                          da ressurreição,
                          da revolução,
                          da respiração.

o ar...
cinza do pó da vida,
                        poeira de civilização,
         mostra-se intragável
                       - tosse seca de quem não cabe o mundo nas mãos.

sigamos, irmãos,
há muito o que ser rompido
               nas almas costuradas fio por fio.

o preço do passo
é incurável,
porém,
que é a vida que não ir sem poder voltar?

já não volto pro mesmo lugar,
já sou outro, portanto,
                       como o rio que mergulho todo verão.

aceno de longe,
eis a minha despedida
aos que logram-me na fila,
                        obediente,
                            consciente,
                                responsável,
                                   correto,
                                      fechado.

tirei tudo,

to pelado.
                       

                               

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

sobre as pessoas I

e se
     eu
   perceber
que
   ver
      o
       lado
          bom

é pior?

diálogos I

- É tudo uma invenção, é uma coisa que não existe, a gente criou mas não existe... A gente pode escolher o que essa coisa é simbolicamente! Pode ser um PDF, pode ser a betúnia que o Leojorge botou! - Lucas
- Desconstruir o PDF. -Ricardo

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

esperando o dia

Um chazinho
e
Um versinho
Pra esta manhã esquisita,
nublada,
cinza.

Um bom dia.

domingo, 6 de novembro de 2011

Ode ao amor

Quando eu não te quis
Pra mim,
Eu te quis então.

A tua solidão,
A minha solidão,
É isso o que me interessa:
A não pressa com as presas que dispomos
E laçamos, enfim,
O touro estabanado que mugia, há pouco,
Dentro de nós.

Não laçar:
Eis aí minha glória final,
Meu púlpito magistral de quem hoje ergue a espada e a voz,
Que dilaceram corações mesquinhos e
Cantam aos passarinhos a natureza dos sóis,
Mas que outrora já foi sim,
Escravo da falta maior.

O buraco inconfundível da intersecção chama-se “nós”,
Entidade essa que guardamos com os braços.

(mas os braços
são apenas braços:
requer-se mais!)

À maneira como os macacos dominaram um pedaço de osso,
- causa prima do nascimento do moço –
Criamos esses utensílios que alcançam mais
Que os braços,
Para então guardar com toda precisão,
O outro
Pra mim.

Homem-objeto-mundo
Homem-objeto-homem

Pela falta da posse,
Canto ao amor essa ode.

(cante)...

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Minha poesia

Não logro os versos lusitanos,
Quinhentistas, coloniais:
Os verbos rechonchudos não me caem.

Essa nobreza lingüística,
Banhada a ouro,
Não sei bem como,
Não me fisga,
Não me toca.

A folha, a mesa, o pão,
A vida, palavras assim,
Cantar, chegar, comer,
O mundo... por que não?

Talvez da canção de quem cantou a mocidade,
Mirando, do alto, a alvorada na cidade,
Sem papel, caneta,
Só violão,
Essa resguardada simplicidade minha.

As palavras são sons, músicas:
Que poderia ser,
Minha poesia de varanda,
Que não, senhores,
O próprio samba?