sexta-feira, 18 de outubro de 2013



Dizem-me para fazer a barba, cortar o cabelo,
como se tais pelos, para eles,
fossem temores de que eu não tenha, para comigo,
uma relação de cuidado. Mais,
dizem que estou feio,
como quem vê por trás (dentro) do bloco de pedra,
Davi.

Porém, a relação que tenho para comigo,
não sabem?,
é tão íntima e profunda e cada vez mais,
que não preciso satisfazer-lhes as exigências intrometidas:
estou bem assim.

sexta-feira, 26 de abril de 2013


eu não sou tudo
eu não sou o mundo
eu sou o mundo
mas não sou tudo.

como posso querer ser uno?

fruto do fruto do fruto do fruto(...)
sou este pequeno puto, fiho de minha mãe e meu pai.
que importa ao mundo?

quem é que dá um puto pra um puto como eu?

ah
se eu não tivesse certeza
que muitos dariam putos pra um puto como eu
como poderia querer ser alguma coisa nessa porra de mundo?

que importa o que importa ao mundo, eu?
quem me fez não fui eu,
não há nada que de mim possa ser pedido.

(mas eu lentamente passo a me pedir
o que entendi que se pede)

então quando no alto da flor da pele dos vinte
o ouvinte vira locutor
- sai por aí falando:
cantando-se de cantador

o tempo indica:
não há o que se peça
não há o que se meça
não há o que se cobre:
há cobre

há vento
há pulmão

(...)e um destino de estrelas muda a direção.

o que se pede despede
o nada se aparece
veste-se e me desveste:
reste meu peito fraco

virgem
lacei-te o seio

náuseas áureas morderes e beijos
os colos colados
severamente entorpecidos de Ámor,
Deusa das dunas negras,
marcada de pintas morenas espalhadas
e lábios mais lindos mais lindos seus lábios!

quando me beija o rosto
eu caio

eu seio
veio alguém e bateu em mim
chacoalhou-me ao meio
balandeei
e assim fiquei: banzo

manso
mas não.

foi calma que deu
mas não.

eu não termino isso hoje

sábado, 14 de julho de 2012

dois-um

eu vou
eu voo
eu sou
eu soo
eu suo
eu sei
eu quem
eu vem
eu vento
eu sem
eu sento
eu sim
eu sinto
eu mim
eu minto
eu mito
eu fito
eu fato
eu ato
eu to
eu todo
eu toldo
eu dou
eu dó
eu dopo
eu pó
eu podo
eu pô
eu porra
eu morra
eu ou
eu outra
eu trás
eu trago
eu tardo
eu parto
eu porta
eu torta
eu Thor
eu toca
eu o
eu oca
eu cão
eu hão
eu não
eu nada
eu nado
eu na
eu lá
eu em
eu no
eu a
eua
eia
eita
peita
meta
meta
pela
ceta
sesta
ceia
veia
meia

eu nela
ela n'eu
eu ela
ela eu
e la
el e

O Peijo

Num muro velho
estampou-se O Peijo:
quem diria
que na mesma noite
ele aconteceria!

Acordo envolto num resquício onírico que insinua-me altas fraquezas, aquelas mesmas de referência tua. A certeza de amar nunca trouxe tanto céu, mas tanta dúvida. O que pensar quando está-se diante de si mesmo um ser-você prostrado bêbedo, tontamente apaixonado? É sua capacidade de amar ou é o amor em si? Por que pensar?

terça-feira, 10 de julho de 2012

O arco da agonia


I

Ai quero seus olhos, ovelhas
Eu troco meus cachos cuidados e tudo
Faço pra capaz seria de mover-te-me os braços

II

Veloz o avistamento
Irrompe em seus passos
Retro reto volve
Ao fim anunciado

III

Nubla-se o pasto
Velhas ovelhas caminham
Ouve-se apenas a espera
- sagrado segundo estático –
Do não comemorar a festa

IV

Acalmo-me a jornada
Há passos a volver
As pedras olvidar
E troncos a crescer

V

Dói-me o ventre
Dorme o seio
Esbranquiçado ao meio
Ardendo em black pavio
Que levo nos dedos das pontas

VI

O silêncio dos passos
Volve o negro vestido
Enquanto deitam os cachos
Enfim dormem os seios

VII

Folhas comidas
Ninguém comeu

VIII

É festa no pasto:
A morte chegou.

IX

O chiaço e a lua
Agonia azul
Volte você isso venha
Puxo e teu vestido preto se move enfim

X

Serei enfim pequena?

XI

Quero montar nas ovelhas e que me levem
Alto e avante às sombras do mato
Este onde parto e deito e sento
Ao tronco liso e lisérgico alento

quarta-feira, 28 de março de 2012

Algo que comece sem palavras
                                               e então
surja como forma abstrata um tesouro
escondido do panóptico

Sem vigilância
                     desenha-se
          livre
nas curvas
               das letras
                             das vi-
                      vências

encontros, desavenças
do perdido eu
                     consigo
transformando-se em célula real
                  
                          poesia
   arte

              ?

Que dirão
              as linhas
e a quem?

Tocará
         aquém
                   aonde?

Alguém sofre
                   alguém ama
                   alguém
chora
        ao ver
                 ouvir
          sentir
as linhas
             as formas
de alguém

E de quem a arte, quem tem?

Michelangelo apenas revelou
o homem
             que avistava
preso no bloco de mármore.

Revelaremos nós?
os montros semi-prontos
que estamos a guardar?

segunda-feira, 12 de março de 2012

Caminhada

O peso
de cada carne do meu corpo
pesa-me
agora
dum jeito torto
de cansaço.

Morto
e mais que pronto
prum sequente caminhar
na areia quente
da estrada
pelas vilas
da estrada
que embocam
no mar:

E seguir o mar
até os manguezais
e deles mesmo passar!
chegando
aos edênicos
coqueirais...

E catar coco, quebrar coco,
se banhar da água do coco
para perfeito estar:
tudo,
todo.

Pouco preciso,
e tenho muito
o que ainda caminhar.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

dor do espirro


no momento
 anterior ao espirro
reproduzi a face de uma dor e angústia
                                                                      que

nunca  espontaneamente em resposta ao mundo esbocei por sofrer de fato.

 As contrações do meu corpo, como
 surgem tão selvagens! Tenho a dupla sensação de medo
e gozo!

Mas o ataque é efêmero, vai
 como voz, no caminhar
do tempo, ao assolar das memórias oníricas, exa-
tamente à hora do isolar-se.
Tortura-me o instante
                                        posterior
ao espirro, o
baixar da poeira então o breu,
a difusa jornada da matéria palavra aos
poções da nossa mente-imaginação!
                                                                    E onde estão
Então
 as clara-nítidas percepções do espirrar à fora?

Músculos e coração bem
                                            rijos como um entrá-encolher-se,
testas lancinantes e olhar em-si mesmado,
 ar estranho em falso um quê salgado. Ah,

Acho que é melhor me esquecer...

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012


Em cada gesto frio
Três nuvens;
Silencio por séculos
De esplêndida escuri-
Dão.

Darão a quem o troféu
De mais bem vivido
Ou de Satanás, o Cão?

Anoitece na cidade,
Anoitece em meu coração.
Do oposto à vida
Ao gosto pela maldade.

Egoístas, pais da não-paz!
Que querem de mim?
O corpo, a voz, ou
As vontades enfim?

Meu caminho tão menino,
Entre árvores e traves,
Ferido e maltratado
Com sua cara assustada.

Espante-se com o espelho, oras!
Largue a minha bola, eu
Conduzo como poucos
Desde os tempos de escola!

Pra lá o espanto!
Aqui o encanto
E a descoberta.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Já não gostei


          Como não cair
em tentação com o mau dito
e o mau dizer do pensamento
sobre as dores do esquecer?

A nau que partiu aqui e ainda há pouco vagava
pelos cantos desenhados dum mapa
enfim,
            naufragou.

Não sou eu nem mais tu nem mais “ah, nós!...”.
É eu,
         tu,
(e  nós n’alguma caixinha).

Véus de popa.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Nomenclaturas


I

O vô ainda vê
As moças da sacada.

II

A mãe ainda pergunta
Se sentiu sua falta;
Ele rindo bobo
Responde ao fone que sim.

III

Que são eles
Que não eu?

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

escrever
é mais espirrar que esculpir

esvazio

sábado, 7 de janeiro de 2012

bocas novas:
novos silêncios.

domingo, 1 de janeiro de 2012

notas de um transformador em-si mesmado

primeira parte: monólogos
segunda parte: diálogos
terceira parte: conversas (dos amigos)
Porra raça,
vamo combinar de jogar um futebol sem bola!
Pro Rodrigo,
essa que vi na internet:
"Nunca confie na lua.
Ela já traiu a Joelma."
Hahaha eles têm um cachorro gigante!
E a música que se expõe demais,
com palavras justas...,
é poesia?
Inventei uma palavra que,
sem saber, já sabia:
                             futebola.

sábado, 31 de dezembro de 2011

- uuhh, good job! what was the color of the soup?
- it was yellow.

caule ou poeta

nós: os
olhos da árvore.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

o gato

Na vã esteira do dia
o gato repousa tranquilo:
vive.
(só ou não)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011


E pensar que todos eles já foram desse tamanho...
Já tiveram esse sorriso, já pularam e correram tanto!
Olha esse sorriso, teu! É meu sorriso nele, é
O soriso dele pequeno, sereno e moleque.

Sorriso de quem amou-a e me deu.

noite gelada

I

minha vida é assim mesmo, de vadio
eles lá e eu aqui, correndo
nessa noite freaking cold de céu gigante, doido
depois de me emprestarem duas meias e uma calça e um pano pra boca/nariz:
e eles lá com a pedrinha do meu pai.

(uma hora sai)

II

donde vem esse inclínio pra preguiça?
ante quantas limonetas eu resisto?
fato é grosso como pizza e azedo
susussurra "tua vida é um brinquedo"

III

se contasse a ti que ando sempre em dúvida
pois há vozes que lho julgam desrespeito
pensarias duas vezes a respeito
ou virias com palavras menos úmidas?

IV

waiting them to come
really tenderly
- knowing they will be
ok with all this -
feel like saaadly
just for not to be
playing the
fifa.

V

chegarão eles três
primeiros quês meus
como nunca adivinharei:
vivo a descobri-los
e nunca como today
os grilos vão pulantes vastos de amor e verdade seus

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Pintor de facas

Cem dimensões
Tomam as coisas em nossas mãos.

Que serão, pergunto,
Que serão?

O cajado do grande sábio,
Escondido rosto negro,
Apóia-se no chão de nuvens - eternidade.

Lá de cima,
Ao contrário do que sempre se pensou,
A morte veia
Em todos os nossos braços.

Cada ato como o último ultimato
Sedento pela sede, apenas,
E as terríveis penas
Que por dentro derrubam...

Que serão, pergunto,
Que serão?

A força dos golpes que atingem
Está
Na força do atingido que,
Sentindo a si sem cor,
Dá por dele a culpa.

- Outrem pintor de facas,
Outrem demônio meu,
Fuja-me e tinja-me o peito antes que o branco desta folha
Tome a mente e o coração desse que ainda não enlouqueceu!

Serão a indivisão
Meu-teu?

sábado, 3 de dezembro de 2011

Poema do jato

Sou um rio
Esperando pela chuva
Pra molhar mais,
Derramar mais,
Transbordar.

Ai, meu coração,
Tanto quis me apaixonar
Mais e mais!
Tanto quis descobrir um corpo que mostrasse o que eu não sou!
E agora que encontrei mas não o posso ter?
E agora que o jato partiu e o leva, moreno e brilhante,
Saudoso ao meu desabar sufocante e singelo,
Pra muito, muito distante?

Agora,
Qualquer aparelho eletrônico risca minha poesia,
Meu lamento choroso já que a posse nem é meu fim,
Já que finjo não importar ser o outro
Ao passo que o tento incessantemente mesmo assim.

Por que, coração, não me contento com a beleza dos momentos vãos?
E corro cego ao ridículo e exponho-me com palavras e gestos desengonçados
Enquanto ouço a confissão sincera que também soaria como desilusão
Não fosse o fato de essas paredes terem algo amaldiçoado,
Que se mistura ao brilho esparramado pelos ombros
Onde perpassam os cabelos ondulados com algum cheirinho bom,
Entornando-se em verdade?

Meu nariz entupido impediu-me quase sempre
De guardar o forte aroma dos momentos
E lembrá-los de imediato quando o vento
É certeiro no alvo fácil e peçonhento
Que avisa todos outros do seu corpo
E avista a imagem do desejo:
Pela primeira vez, experimento.

Inspiro-te e te beijo, e me jogo, e a janela aberta porque faz calor apesar da hora,
E muita sede, e muito xixi, e molhadas as barrigas rentes;
Sentes o que eu sinto e conhecemo-nos então assim:
Conversando madrugada a fora numa noite que não tem mais fim.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Soco


Num soluço da manhã respiro um soco de esperança e vontade de mundo,
E me tranco nesse quarto para fazer minha poesia inútil;

E em meio à força do discurso e da fonética do som das palavras faladas,
Recolho-me à palavra muda, que ecoa de dentro pra mais dentro ainda:
Meu silêncio espera a hora da música enquanto as vozes circulam fugazes.

Aí então o mundo ouvirá meu canto,
Arraigado nas entranhas ferozes do meu corpo,
Onde se fundem sentimento e palavra.

“Quando eu soltar a minha voz...”

domingo, 27 de novembro de 2011

Bisturi


De tanto que engrandeço as pessoas,
Insistem em provar com desespero:
“Sabes que não somos isso tanto!...”

E eis que tudo enfim cai no balanço
Dos antigos coqueiros naquela praia,
Cantando a inconstância da natureza,
Cantando a inconstância da vida humana.

Açoriano tecer o endeusar,
Soluço orgástico o desendeusar.
Pois sim,
Desfiamento repentino o instante bisturístico
(a arte do cortar do bisturi
                                        - palavra porque instrumento).

Todos no mesmo andar,
Todos da mesma altura,
Todos o mesmo olhar
                               t.v.

A mesma decepção de sempre:
São todos
            a mesma merda
                                     que eu.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

conversa de banheiro

1 ai, esses olhinhos...
2 meus olhos nunca mentem
1 teus olhos nunca mentem,
1 são olhos de poeta.

2 ahaha essa é boa
2 "meus olhos nunca mentem, são olhos de poeta."
1 é, boa mesmo...!

- disse esse meu amigo
querido pela negra pele
que o aço de sol crivo
e os olhos verde-vivo
interceptam-me!

o gosto pelas palavras nos comove a veia
o sangue de células pares nos sobe os olhos
enquanto a ceia nos vem à mesa
com temperos brasuca-arábicos

e o vinho, quando a cerveja, quando o uísque, quando a fanta, quando a água...

terça-feira, 22 de novembro de 2011

madrugada

recapitulo um capítulo catapultado e esquecido
a memória segue atenta às suas funções:
esquecer o rosto bonito e lembrar dos dentes mal-distribuídos
- decepcionante porque eras tão linda

a odontologia toda em questão
como um simples estado de espírito
elas mesmas estragam a poesia
elas mesmas estragam seus dentes, minha ilusão.

no cenário tão improvável que perfeito, há pedestais,
chão quadriculado e arquibancadas eruditas onde um rei enfim impera,
gentes que se rolam pelo chão e são mandadas parar e param,
música ruim que bate incessante um ritmo mentiroso e cristais,
cristais de visões alucinantes e sedentas de intenções-intensidades:
a jovialidade nos jovens como a birra no bebê.

a luz azul não lembra o circo mas não precisa lembrar.
a tragédia já foi escrita, redigida e editada a mãos trêmulas, histéricas,
que guardaram um final patético disfarçado de bem-querer
aos ingênuos atores que se encontram para a desilusão

tu sim eu não

arrevoados vão
um para a cama
outro para a lama das calçadas disfarçadas de sujeira
que nada
há vida na calçada pois há conversa primeira
sobre esses que vêm e que vão e que podem vir e ir que bulhufas que são
impõem seus absurdos naturais e cegos e suas ondas de barulho
falam e berram e falam e sentam e saem e logram a cada minuto a hora sublime, o encontro perfeito,
e vão para outro lugar onde será maravilhoso estar, todos juntos, união-alegria-uhul!
azul azul azul é o circo da ilusão

caminho então por ruas anônimas
lamentando a desimportância das pessoas
sonhando com encontros verdadeiros
enquanto paralelamente vejo
como é linda a amizade, o parceiro,
que partilha a vontade e o desejo,
e caminha ao meu lado por distâncias
infindáveis na memória sem tempo

domingo, 13 de novembro de 2011

a beleza
está na graça,
          no olho risonho,
              na bochecha marcada,
                   no cabelo.

morena,
sua graça me encanta,
me espanta esse riso tão amigo,
                                         bonito,
                                              bobão.

sábado, 12 de novembro de 2011

pelado

o silêncio se foi.
as vozes surgiram da terra,
                                por acaso,
algo marcado de dúvida e abalo
                                                 que,
                            inevitavelmente,
         bum:
                explode.

são os tempos novos,
                          da ressurreição,
                          da revolução,
                          da respiração.

o ar...
cinza do pó da vida,
                        poeira de civilização,
         mostra-se intragável
                       - tosse seca de quem não cabe o mundo nas mãos.

sigamos, irmãos,
há muito o que ser rompido
               nas almas costuradas fio por fio.

o preço do passo
é incurável,
porém,
que é a vida que não ir sem poder voltar?

já não volto pro mesmo lugar,
já sou outro, portanto,
                       como o rio que mergulho todo verão.

aceno de longe,
eis a minha despedida
aos que logram-me na fila,
                        obediente,
                            consciente,
                                responsável,
                                   correto,
                                      fechado.

tirei tudo,

to pelado.
                       

                               

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

sobre as pessoas I

e se
     eu
   perceber
que
   ver
      o
       lado
          bom

é pior?

diálogos I

- É tudo uma invenção, é uma coisa que não existe, a gente criou mas não existe... A gente pode escolher o que essa coisa é simbolicamente! Pode ser um PDF, pode ser a betúnia que o Leojorge botou! - Lucas
- Desconstruir o PDF. -Ricardo

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

esperando o dia

Um chazinho
e
Um versinho
Pra esta manhã esquisita,
nublada,
cinza.

Um bom dia.

domingo, 6 de novembro de 2011

Ode ao amor

Quando eu não te quis
Pra mim,
Eu te quis então.

A tua solidão,
A minha solidão,
É isso o que me interessa:
A não pressa com as presas que dispomos
E laçamos, enfim,
O touro estabanado que mugia, há pouco,
Dentro de nós.

Não laçar:
Eis aí minha glória final,
Meu púlpito magistral de quem hoje ergue a espada e a voz,
Que dilaceram corações mesquinhos e
Cantam aos passarinhos a natureza dos sóis,
Mas que outrora já foi sim,
Escravo da falta maior.

O buraco inconfundível da intersecção chama-se “nós”,
Entidade essa que guardamos com os braços.

(mas os braços
são apenas braços:
requer-se mais!)

À maneira como os macacos dominaram um pedaço de osso,
- causa prima do nascimento do moço –
Criamos esses utensílios que alcançam mais
Que os braços,
Para então guardar com toda precisão,
O outro
Pra mim.

Homem-objeto-mundo
Homem-objeto-homem

Pela falta da posse,
Canto ao amor essa ode.

(cante)...

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Minha poesia

Não logro os versos lusitanos,
Quinhentistas, coloniais:
Os verbos rechonchudos não me caem.

Essa nobreza lingüística,
Banhada a ouro,
Não sei bem como,
Não me fisga,
Não me toca.

A folha, a mesa, o pão,
A vida, palavras assim,
Cantar, chegar, comer,
O mundo... por que não?

Talvez da canção de quem cantou a mocidade,
Mirando, do alto, a alvorada na cidade,
Sem papel, caneta,
Só violão,
Essa resguardada simplicidade minha.

As palavras são sons, músicas:
Que poderia ser,
Minha poesia de varanda,
Que não, senhores,
O próprio samba?

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

No escuro do meu quarto,
as folhas da bananeira
que o vento balança lá fora,
sussurram-me, devagarinho,
"dorme..."

Mas eu não quero.
o novo me assombra:
não decorei seu rosto
sua voz
mal posso sequer
pensar-vos!
Câmeras,
esses momentos não nasceram
para serem registrados.

Não partilho
essa necessidade
de não esquecer.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Um brain-storm chamado Charles Severino

Charles Severino,
seu irascível comportamento
falhou quando não devia, companheiro.

Charles Severino,
o outdoor anunciou
as vagas de emprego
sua testa brilhou
de suor
por quê, amigo?

Charles Severino,
você nunca sequer viu o mar!
Como pensa então,
em sair cavando esses buracos
e deixá-los,
simplesmente,
vazios?

Charles Severino,
na tarde do dia tal
você me procurará sob a premissa de que há
na cidade
um novo circo
um novo espetáculo
e você precisará assistir para não estourar
nas suas nádegas
um furúnculo maldito, Charles
Severino sou eu, companheiro.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A vida
é como a direção duma ambulância
paradoxalmente
tão triste

mas tão divertida!

terça-feira, 18 de outubro de 2011

cinzas na cidade

as cinzas
de um vulcão
dum país que é
vizinho
do meu
invadiram-me a cidade e
com sua névoa
entranhou-se
na lataria
dos carros

subestimamos a distância

o roubo

olha o roubo
que faz
o menino na
padaria

que é o roubo
que faz
o menino?

escondidinho
vai
incerto
roubar

e ah,
quando pega
enfim
o objeto ainda não roubado e
sai
sem olhar pro lado
sentindo
passo a passo
o gosto da vitória
o gozo da farsa
que subitamente
surge por dentro

sendo
ainda mais gostoso
que o gosto
do objeto
já roubado

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

canção da liberdade

vou pro mundo
pras pessoas
pros encontros
desde a tarde
à madrugada

sei que não é nada
todo esse dilema
falso-problema
força reativa

aqui está a vida
pelo menos agora
e isso também
é só o que sei
das voltas
que o mundo dá
há anos
zilhões de tempo
super-espaço
pra toda e única
sortuda vida
ser
em paz

mas os homens
merecem um só verso
de três palavras:
mas os homens
mas os homens
etc.

só por isso
porque hoje
sinto vivo
todo Não
deixo o grito virar canção
e parto comigo
ao infinito que existe
de barco e remos às mãos

sábado, 15 de outubro de 2011

ah, bichinho,
ninguém como você
desvendou-me o corpo antes

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

a praia
quando chove e a maré baixa
me deixa triste pra burro
depois desse charuto

eucorpo

Essa cabeça que gira
no eixo do meu pescoço
pesa um peso que existe:
há coisas dentro!

Um leve mau-jeito
faz-me lacrimejar
um simples rodar
faz-me inflar o peito

Não sou mais que esse
todo único e móvel
que pelas ruas e veias
flui, vai, cai...
(preguiçosamente)

Essa cabeça que gira
no eixo do meu pescoço
sem pescoço não gira
sem os olhos não ri
sem os braços não ama
sem as pernas não sofre
sem o peito não diz
sem a bunda não chora
sem o pinto não pode
sem o pulmão não vive

domingo, 9 de outubro de 2011

conversas

uma eternidade de poemas:
assim são as conversas

ao pé da lua,
nos braços da mãe embriaguez,
que nos faz ver o mundo de muito longe,

onde os corpos não alcançam nem calculam;
onde tudo é repensado e discutido;
onde eu posso estar
ao mesmo tempo
aqui,
agora,
nesse dormir e acordar que é a vida conhecida,
mas também lá fora... fora...
do círculo.

oh, deus, quantas foram as rodas
de conversa,
de completo estado de alteração de consciência,
de sensações vivas,
de hipóteses sobre a vida, sobre o homem
que escreve,
que vê tudo diferente, que tem seus motivos, que ama e não entende por quê!

quantas?

pois quando me sento com pessoas lindas
- como são lindas!... -
e falamos sobre tudo isso
(ISSO)
e vemos o céu, as árvores (de baixo),
as construções com suas bolas giratórias que não entendo no telhado,
a vida que nos foi concebida e que perdemos tanto tempo agradecendo, concordando, carregando,
sob duras ameaças do esboço que ela é,
suas consequências! decorrências!
"Veja bem, menino!" - vozes dentro de nós agora

ah...

sentemos,
rodemos,
fujamos para lá:

para o absurdo e mais-o-que-você-quiser
universo da poesia.

sábado, 8 de outubro de 2011

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assim são os anos,
riscos transparentes no espaço largo do tempo,
fendas que me doem por dentro tão forte...
supliciosa,
melancolicamente.

esses senhores cavaleiros estáticos
em posição de guerra, armadurados,
que não podemos olhar nos olhos pois ninguém,
ninguém sobreviveu.

os anos são arcos,
portais,
cavernas no próprio céu;
suas vozes são coros,
algo angelical são os anos

- os mesmos que,
por trás,
me golpeiam.

os mesmos que são morte,
que vejo apenas morte e solidão,
que só vieram para me deixar assim,
eterno enfermo da alma.

os anos são sempiternos,
são imagens dentro de mim
que nunca foram localizadas.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

pulo

Queda
do alto
desta
nuvem

rumo
reto
ao oceano.

Vim ver o ar que existe
por meio milésimo
quando o corpo rompe o mar,
quando a água cava a água.

Ele está sempre pronto
pro novo,
há espuma, não há o que temer.
"shhhhhhh..."

sábado, 1 de outubro de 2011

conversa

Ah, Eu que conversa comigo...
Ai, essas vozes...
Ah, quem sou eu...?

Tudo que sinto te digo
logo ao pé do ouvido.
Vivo o delírio sem eu...

Fora, fora, fora...
esguio-esquizo-esquisito.

Raiva, quanta raiva,
fechando o porta-malas,
já tive de você!

Por que calas,
siri,
na hora de não calar?

Teu silêncio é o meu naufrágio, minha solidão,
minha desrazão com as coisas do mundo que deveriam ter qualquer sentido!
Teu silêncio é a minha dúvida.

Embriaguemo-nos, eu,
entremos madrugada a fora nessas conversas de crianças que dormem uma ao lado da outra,
essas imagens que ficam,
metamorfose onírica...

Ouço-te com ouvidos de filho,
de amigo, inimigo,
camelo, leão, criança. Sim,
embriaguemo-nos,
vamos ver quão longe podemos chegar,
quão perto...

Testemos essa ponte!

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

(sem título)

Me vi sem o nós numa sexta-feira depois do almoço
- alguma hora eu perceberia;
Disfarcei.

Novos termos, novas palavras, novos status;
Eu estático no ponto de ônibus esperando muitas outras coisas
(o benefício da troca, pelo menos)

Noites em aberto, em claro, em vômito, em nãos, em paredes de madeira quase cedendo, em   velas acesas que mostram o céu, em pequenos segredos sujos, em conversas sobre a história da loucura, em dramatizações de suicídios, em cantorias para a cidade, em migrações, em muretas vendo a ponte, o mar, as velas, os iates antigos que são boates, a um passo de uma ladeira virgem com uma placa de vende-se, lembrando das caminhadas em clarão artificial na madrugada de Nova Iorque hesitando em ir no novo bar ou garantir o de sempre, de olho nas motos que passavam mas principalmente na cerveja de daqui a pouco, amigos já bêbados também a caminho, flanelinha querendo dois adiantado, Léo tentando estacionar em três lugares impossíveis, mais uma antes de entrar;

A chuva parou e todo mundo resolveu sair nessa sexta de lua cheia e amarela e anunciei que ficaríamos ali no estacionamento à beira-mar comendo desesperadamente nossos hambúrgueres, batatas e por que não um sundae, até que ela tivesse completamente sumido por detrás do morro lá do outro lado, no continente, e a lua amarelo-sol se foi tão rápido que conseguimos acompanhar seu trajeto de menos de cinco minutos (“O mundo tá girando muito rápido” – alguém falou)

Vou aprendendo que viver é ser amargo com as coisas do passado e que os dias são fatos isolados, nada têm a ver uns com os outros
Ah, que grande mentira, que parte de mim realmente pensa isso?
A solidão máxima e plena que ainda não consegui dançar com mas vou respondendo que tá tudo bem e talvez até acredite nisso mesmo
Mas voltando de ônibus um cheiro de protetor solar me traz seu rosto com esse gosto e suas pintinhas e aquela foto com o papagaio e eu respiro devagar porque eu realmente amava tudo isso
Cada dia a mais será uma história que ficará guardada paralelamente às histórias de nós e talvez estarão até o fim confrontando-se dentro de mim como o pai e a mãe no menino da Árvore da vida 
– será sempre uma espera.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Árvore

Folha por folha,
A árvore que o tempo criou,
Com juras de eternidade,
E céus estrelados de amor,
Desfaz-se.

Seria o outono passageiro?
Um ciclo medroso que volta
Pois nunca aceita a sorte, o destino,
A verdade da escolha de ir?

Seria o desejo de sentir-se
Só - sem todas as extremidades -
Pois o que interessa é o percurso, o caminho,
E não o ponto final?

"As folhas me cansam,
Sequer vejo graça,
Cresceram já tanto...
Me deixem! Me basto!"

Vontade absurda de atingir o marco zero,
Sentir-se vazio, inócuo, varrido,
Como fosse assim um grito:
"Sou vivo! Não sei o que espero! E sofro,
Mas só porque o quero."

A árvore que o tempo criou,
Folha por folha,
Com chuvas, trovões e calmarias,
Ventos, brisas e sol,
Não é feita só de folhas:
É feita de lembranças.